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Apaixão Fimdestação

  • as quatro gémeas (gagá, jejé, juju e gigi)

    incluído no espectáculo Apaixão Fimdestação, pelo grupo As Apaixonadas.

    • encenação: São José Lapa
    • interpretação: São José Lapa, Teresa Roby, Lucinda Loureiro e Ângela Pinto
    • estreia: Ritz Clube, Lisboa, 4 de Abril de 1984

     

     

    As quatro irmãs, sentadas lado a lado

     

    uma qualquer – e agora, respeitável público, mais um momento alto entre os momentos altos do nosso espectáculo: as quatro gémeas, um quadro que o nosso gracioso autor dedica a copi, em memória da proibição do famoso drama eva péron, há coisa de oito anos.

    (tempo)

    gagá – ai manas, que tristeza...

    juju – ai manas, quanta dor...

    jejé – ai manas, como somos infelizes...

    gigi – ai manas...

    juju – ai manas...

    jejé – ai...

    (tempo)

    gagá – ai...

    jejé – hoje sonhei...

    juju – sonhaste, mana?

    gigi – que sonhaste tu?

    gagá – conta-nos o teu sonho, jejé...

    gigi – por favor, mana.

    juju – por favor...

    (tempo)

    jejé – ai manas, que tristeza (chora)

    juju – vejam como ela está a chorar (chora também)

    gágá – então, meninas (não sabe se há-de chorar)

    gigi – eu também quero chorar. conta o sonho, vá lá. diz-nos o que sonhaste tu...

    (jejé e juju limpam a cara e fungam; gagá compõe-se)

    gigi(carinhosa) diz, mana, foi um sonho mau?

    gagá – se foi mau, não digas.

    juju – diz sim senhora! ai isso é que diz!

    gagá – já estamos todas tristes, não precisamos de ficar mais.

    gigi – eu ainda não estou muito triste. se não contas és má.

    jejé – eu conto, descansem. mas depois não se queixem.

    gigi – eu não me queixo.

    juju – eu também não.

    gagá – eu gosto de me queixar.

    jejé – então calem-se, porque assim eu não posso contar.

    juju – calem-se!

    gigi – cala-te tu!

    juju – não tens nada que me mandar calar.

    jejé – assim não conto

    juju – conta lá.

    gigi – estás a ver? era bem feita que ela já não quisesse contar!

    gagá – manas, vamos calar-nos todas ao mesmo tempo, para a jejé poder contar o sonho que teve, está bem?

    jejé – posso?

    (silêncio)

    gagá – podes.

    juju – shh!

    jejé – sonhei que íamos as quatro na rua, a passear.

    gigi – oh!

    jejé – também! sempre a interromper!

    gagá – pronto! continua: íamos as quatro na rua, e depois?

    jejé – e depois, andávamos a passear e a rua era dentro do jardim da estrela.

    gigi – que parvoíce de sonho! o jardim da estrela é o único sítio onde podemos ir...

    juju – cala-te! deixa ouvir!

    gigi – pensei que era um sonho mais bonito.

    jejé – então não conto mais nada.

    gagá – ela não...

    jejé – escusam de pedir porque eu não digo mais nada!

    juju – a gente não te interrompe mais.

    gagá – a-ca-bou. continua, jejé.

    jejé – já disse que não digo mais nada.

    juju – diz ... eu já estava a ver tudo.

    jejé – há aqui pessoas que não merecem que eu me incomode.

    gigi – isso é commigo, mana? eu que sempre te estimei, e que te ando a aparar os golpes todos...

    juju – gigi!

    gagá – mana!

    jejé – estão a ver? estão a ver? eu não dizia?

    gigi – coitada! coitadinha...

    gagá – gigi! isto não é maneira de falar com a tua irmã!

    juju – pela memória da nossa querida mãezinha que deus tenha no seu eterno descanso, manas, vocês estão a deixar-me nervosa. estou aqui e está-me a faltar o ar.

    gigi – ar é coisa que aqui não falta.

    jejé – eu vou-me embora. eu não fico aqui a assistir a este desaforo.

    juju – eu vou contigo, mana.

    gagá – vá, meninas, já passou. vamos acabar de ouvir o sonho da jejé.

    jejé – assim não consigo.

    gagá – então vamos conversar um bocadinho, e depois, daqui a um bocado, já estamos todas bem dispostas.

    gigi – quem é que começa?

    (tempo)

    juju – vocês sabem que no domingo passado a henriquetinha saiu à noite?

    gigi – e depois?

    juju – e depois veio muito tarde para casa. a graciete disse que ela saíu com um empregado do totta & açores que tinha posto um anúncio.

    gagá – em anúncio?!

    jejé – anúncio para quê?

    gigi – o que é que isso tem?

    juju – porque também há homens que vivem fechados em casa, sem conhecerem ninguém, como nós.

    gigi – não acredito.

    juju – é verdade, juro...

    gagá – talvez, eu também já ouvi dizer isso.

    jejé – mas pôr um anúncio, sem saber quem é que vai responder. pode ser um homem qualquer.

    gigi – melhor!

    juju – eu tinha medo!

    jejé – eu não era capaz de fazer uma coisa dessas.

    gigi – preferes chuchar no dedo, não é?

    gagá – que eu saiba, todas nós temos compostura suficiente para não fazer figuras ridículas como essas.

    (gigi chucha no dedo polegar)

    juju – que falta de decoro...

    jejé – estou incomodada. acho que tenho calor.

    gigi – então despe-te.

    gagá – gigi!

    jejé – haa... não posso mais. às vezes penso que a nossa irmã está possuída.

    gigi – eu? possuída?

    juju – falas a sério?

    gigi – olha que gracinha!

    jejé – mas quando vamos à igreja e ela se benze, sei que não está. desculpa, mana, perdoa-me.

    gagá – é muito feio pensares isso da tua irmã.

    gigi – pois! ela atreve-se a pensar esses horrores, e e eu é que sou a má ao pé das santinhas. não te esqueças de te confessares como deve ser.

    jejé – estou com vontade de chorar. (chora)

    gigi – isso, chora... faz o mal e depois chora. (tempo) hipócrita!

    gagá – gigi!

    juju – gigi! és tão má! não sei como é que podes ser minha irmã.

    gigi – não sabes? perguntasses à mãe.

    gagá – cala-te, já nos estragaste o dia.

    juju – já nos estragaste o dia. estávamos tão felizes ainda há cinco minutos... (chora)

    gigi – e eu ralada. vocês são umas parvas.

    gágá – acho que já chega. estás a ofender-nos a todas.

    jejé – a culpa foi minha. não devia ter falado.

    juju – devias sim senhora.

    gigi – vou-me embora. estou farta de vos aturar.

    juju – vai! vai! já devias ter ido. não fazes aqui falta nenhuma.

    gagá – juju! agora és tu.

    juju – eu tenho razão, ouviste! (tempo) ela é má e eu tenho vontade de chorar e vou chorar e ninguém tem nada com isso.

    gigi – choramingas! (imita-a) eu tenho vontade de chorar e vou chorar e ninguém tem nada com isso. há-de vir-te a menopausa e tu ainda a pensar que os meninos vêm de paris.

    gagá – aí ...a minha cabeça...

    jejé – e têm vocês a lata de falar das outras. pelo menos as outras não se consomem assim.

    gagá(abana-se) ai... que falta de ar.

    gigi – vou dar um passeio.

    gágá – já é tarde.

    gigi – já é tarde! e nós não somos maiores e vacinadas?

    gágá – não são horas de saír.

    jejé – podia ser um passeio pequeno. eu ia de boa vontade.

    gagá – mas eu estou muito mal. não posso saír.

    gigi – então fica.

    gagá – e vocês, as minhas irmãs, eram capazes de saír e deixar-me assim?

    jejé – tens razão. é melhor ficarmos.

    juju – pois é. é melhor ficarmos.

    gigi – sempre a mesma coisa... a senhora dona gagá não sai e, por isso, as irmãs que são um rebanho também não saem.

    juju – falou a ovelha ranhosa.

    gigi – eu bato-te.

    gagá – ai! o meu coração!

    jejé – pronto!

    juju – tudo por tua causa.

    gigi – estou farta, a gente não sai. a gente fica aqui porque ela tem medo de ter um ataque.

    juju – pois pode. sabes muito bem que pode.

    gigi – então que tenha os ataques todos que quiser. eu não me mexo daqui.

    gagá – ai!

    juju – já estava á espera. da tua boca só podia sair isso.

    jejé – nós somos irmãs. nós temos obrigação de nos acompanharmos em todas as situações.

    gigi – estou-me nas tintas. o que falta cá em casa é um homem.

    jejé – um homem?!

    gágá – ai...

    juju – um homem...

    gigi – um homem, sim, um homem.

    jejé – não estarás a ser um pouco leviana?

    gagá – que falta nos faz a nossa querida mãe...

    juju – mãezinha... (chora)

    gigi – a mim, o que me falta é um homem. se a vocês não faz falta, o problema é vosso.

    jejé – menos meu. quando quizer, não me faltam pretendentes.

    juju – eu também.

    gigi – deixem-me rir! vocês não sabem o que é um homem... eu, por mim, estou farta de mulheres. já não vos posso ver.

    gagá – não era isso que dizias ontem...

    jejé – estou a ficar deprimida.

    juju – deixem-na falar. ela sabe tanto de homens como nós. a mim dá-me vontade de rir.

    gigi – então porque não te ris, pode saber-se?

    gagá – são horas de ligar a rádio renascença para ouvirmos o terço.

    gigi – eu prefiro o quarto.

    jejé – são horas do terço. vamos recolher-nos.

    (tempo)

    gagá – ai manas, que tristeza...

    juju – ai manas, quanta dor...

    jejé – ai manas, como somos infelizes...

    gigi – ai manas

    (tempo)

    todas – ai.