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Apaixão Fimdestação

  • Apaixão - Fimdestação

    partes em que o espectáculo se divide:

    1. a paixão nascente
    2. a paixão consumada
    3. a paixão consumida (a troca)
    4. o ciúme, os cacos & companhia

     

     

     

     

     

    as três gémeas, ou os benefícios da boa educação

    jejé, jiji e juju, honrando a memória das suas madres.

     

     

    juju – a jiji ontem foi horrorosa.

    jiji – horrorosa eu? porquê?

    juju – parecias uma mulher da aldeia

    jejé – eu não vi nada.

    juju – pois olha que estava bem à vista: se houvesse um concurso de dar nas vistas, tinha ganho concerteza.

    jiji – tu ainda fizeste pior: és uma dissimulada.

    jejé – afinal, o que é que aconteceu?

    jiji – nada que não seja normal.

    juju – chamas àquilo normal?!!

    jiji – claro que chamo.

    jejé – mas do que estão vocês a falar?

    jiji – de nada. a tua irmã é tola.

    juju – se tu não estivesses tão ocupada com o primo juvêncio, tu tinhas visto tudo.

    jiji – com o primo juvêncio, a jejé!!! deixa-me rir...

    jejé – olha olha... que é que ela julga?

    juju – ela julga que as outras são parvas.

    jiji – ai sim? sabes muito bem que à noite, antes da masturbação, deves orar de joelhos.

    juju – e tu sabes muito bem que não te deves masturbar no confessionário para aproveitar a absolvição.

    jiji – mas as minhas queridas irmãs estão muito saídas da casca... mas que bem...

    juju – pois é... mas tu brincas ao "mostra-me a pila que eu mostro-te a pássara" à frente de toda a gente. para quem acha que nós estamos saídas da casca, é alguma coisa, temos de convir.

    jejé – se a nossa querida gagá estivesse aqui connosco, queria ver se falavas assim. escandalizas-me, mana.

    jiji – ainda bem que te escandalizas, mana. porque molhar o dedo na pássara para voltar as páginas do missal, a mim não me parece nada bem.

    jejé – oh mana... eu? eu nunca fiz uma coisa dessas... agora tu, tu que... que...

    jiji – que o quê?

    jejé – que...

    juju – que não deixas o primo juvêncio em paz nem só um bocadinho, coitado, nem sei como é que ele aguenta.

    jiji – tens é inveja.

    juju – de ti?!

    jiji – sim, de mim e do primo juvêncio.

    jejé – eu sei que ele é primo, que é uma pessoa de família, mas a mim também não me parece lá muito bem que tu dês assim nas vistas.

    juju – a mim, o que me irrita é a mania que ela tem de que nós não damos por isso, de achar que ela é a única.

    jiji – se sou a única, não sei, nem me interessa. sei é que eu sou a melhor

    juju – olha as peneiras!

    jejé – que modéstia. pois fica sabendo que não é isso o que diz o primo juvêncio.

    jiji – vocês estão a armar-se porque têm dor de cotovelo. nem vos ligo. há coisas que vocês nunca hão-de perceber.

    juju – o quê, minha querida, o que é que nós nunca havemos de perceber?

    jejé – a mim só me parece mal essa falta de recato.

    jiji – já alguma vez vos passou pela cabeça que o primo só se deita convosco para vocês o deixarem em paz?

    juju – olha olha... é isso que ele me diz de ti. acha que tu és boa é na na ... na ...

    jiji – na quê, mana?

    juju – na... não digo.

    jiji – não me importo. o primo juvêncio está apaixonado por mim. e eu gosto de lhe satisfazer o mais pequeno desejo.

    juju – ingénua.

    jiji – invejosa. má. sabes muito bem que...

    jejé – vamos, manas, o primo juvêncio é o nosso primo que todas nós estimamos muito. porque é que estamos agora a discutir?

    juju – mas ele disse-me!

    jejé – não importa.

    juju – importa sim. ele está farto da jiji que passa a vida a chupá-lo, mesmo quando ele tinha vontade de mim e ela não deixa.

    jejé – não quero ouvir mais nada.

    juju – pois é. tu é que não gostas. foi isso o que disse o primo.

    jiji – que é que disse o primo?

    juju – não digo.

    jiji – que é que disse o primo?

    jejé – que é que disse o primo?

    juju – que vocês são boas é na...

    jejé – na quê?

    jiji – vá lá, diz!

     

    (tempo)

     

    juju – eu digo, mas não se queixem.

    jiji – aposto que é outra das tuas invenções.

    juju – ele disse, mas isso nem era preciso ele dizer, que vocês uma com a outra

    jejé – isso não!

    juju – foi ele que disse! que vocês se enrolaram as duas e o deixaram sozinho.

    jiji – ora... cala-te que nem percebes o que estás a dizer.

    jejé – não sei como é que tu és nossa irmã e achas tão... escandalizas-te porque ... porque nós nos ajudamos em todas as situações.

    jiji – qualquer coisa é melhor do que nada.

    juju – mas há coisas que nem se devem pensar, quanto mais dizer-se.

    jiji – estimo que te divirtas a chuchar no dedo. estou farta da conversa.

    jejé – pronto, não se zanguem.

    juju – é só o que sabes dizer. desiludes-me, desiludes-me, mana.

    jiji – é parva.

    jejé – pronto, manas, pronto. vamos chamar a menina odeta que é para não ficar nenhuma de nós a olhar. vai lá tu, juju, que a esta hora ela já veio do emprego.

     

     

     

     

    maria do céu – exmo. senhor,
    quisera possuir em grande escala o precioso dote da palavra; quisera ter o poder de desenvolver sublimes ideias e adorná-las convenientemente; quisera falar com eloquência nunca vista, para mostrar a v.exa bem nitidamente a incomparável felicidade que hei gozado desde que recebi a penhorante resposta de v.exa.
    agora que me deu a certeza de ser correspondida, sinto que o amo cada vez mais e como nunca julgara poder amar-se. que doce e consolador é encontrar-se um anjo que nos atenda, que nos compreenda e nos dedique o seu coração! tamanha é a felicidade , que me parece incrível que possa eu só frui-la sem ter quem dela partilhe comigo.
    amo-o muito. parece-me vê-lo a todos os instantes sorrindo-se para mim estendendo-me a delicada e nívea mão como querendo guiar-me no caminho da suprema ventura. adoro-o como se fosse um ídolo.
    de v.exa a mais dedicada admiradora
    maria do céu

    francesco  – no enamoramento, a pessoa mais simples e destituída é obrigada, para se exprimir, a usar a linguagem da poesia, da sacralidade e do mito.

    fernando – todas as cartas de amor são ridículas...

    francesco – dá vontade de rir, mas é verdade.

    fernando – bebezinho do nininho-ninho
    oh!
    venho só quevê pá dizê ó bebezinho que gotei muito da catinha dela. oh!
    e também tive munta pena de não ta ó pé do bebé pâ le dá jinhos. oh! o nininho é pequinininho!
    hoje o nininho não vae a belém porque, como não sabia s'havia carros, combinei tá aqui ás seis o'as. amanhã, a não sê qu'o nininho não possa é que sahe daqui pelas cinco e meia (isto é a meia das cinco e meia). amanhã o bebé espera pelo nininho, sim? em belém, sim? sim? jinhos, jinhos e mais jinhos.
    fernando.

    alberto – o amor feliz - de resto como o amor infeliz - é já a separação.

    johann – oh! que calor me percorre as veias quando por acaso os meus dedos tocam nos seus, quando os nossos pés se tocam debaixo da mesa! retiro-me todo em fogo, mas uma secreta força me atrai, vêm-me vertigens, todos os meus sentidos se turvam. quando a falar põe a mão na minha, quando na conversa se aproxima de mim, quando o seu hálito pode chegar aos meus lábios, julgo então que vou aniquilar-me, como ferido por um raio.

    roland – como desejo, a carta de amor aguarda resposta; impõe implicitamente ao outro uma resposta, sem a qual a sua imagem se altera.

    johann – ela é sagrada para mim, todo o desejo emudece na sua presença. não sei o que sou quando estou junto dela, é como se a minha alma se derramasse e corresse por todos os meus nervos.

    julieta – oh! romeu, romeu! renuncia ao teu nome e, em vez dele, apodera-te de mim!

    romeu – chama-me apenas teu amor e far-me-ei de novo baptizar. O meu nome, eu próprio o odeio, por ser para ti um inimigo.

    julieta – diz-me: como vieste tu até aqui, e para quê? este lugar será para ti a morte se algum dos meus parentes te descobre aqui.

    romeu – transpus estes muros com as leves asas do amor, porque não são as barreiras de pedra que o podem embaraçar. Por isso mesmo, não são os teus parentes que me servirão de obstáculo.

    julieta – se eles te vêem, matar-te-ão.

    romeu – há mais perigo nos teus olhos do que em vinte das suas espadas.

    julieta  – por nada deste mundo eu quereria que te vissem aqui. quem te ensinou este caminho?

    milton – foi, foi marinheiro, foi os peixinhos do mar...

    romeu – senhora, eu juro pela lua sagrada...

    julieta – não jures por coisa alguma. ou, se quiseres, jura pela tua graciosa pessoa que é o deus da minha idolatria, e eu acreditar-te-ei.

    romeu – oh! noite abençoada, bendita noite! tenho medo de que, por ser de noite, tudo isto seja um sonho...

    julieta – este amor em botão, amadurecido pela brisa do estio, talvez se transforme em flor esplêndida no nosso próximo encontro. oxalá que a paz e calma deliciosas que enchem o meu peito, possam também encher o teu coração ...

    romeu – oh! vais-me deixar assim, sem me concederes mais nada?

    julieta – que mais queres tu que te conceda esta noite?

    romeu – que troques pelo meu o juramento fiel do teu amor.

    julieta – dei-te o meu amor antes que o pedisses. adeus, meu querido amor.

     

     

     

     

     

     

    sketch (que inclui frases de autores famosos, num argumento do Autor)

     

    teresa – como é do conhecimento geral, os melhores soldados costumam ser os militares.

    cinda – porque os militares costumam ter mais vocação para soldados do que as outras pessoas.

    são josé – então, talvez não seja preciso fazer um grande esforço para concordar que só os actores devem fazer teatro.

    ângela – assim sendo, senhoras e senhores, empenhámo-nos no exaltante prazer de fazer este espectáculo. para vós

    todas – as actrizes

    teresa – curriculum & apresentação

    cinda – apresentação & curriculum

    são josé – apresiculum & currentação

    ângela – apresitação & currenculum

     

    (intervalo prás palmas)

     

    ângela – um espectáculo feito por actrizes

    cinda – para o estimado público em geral

    são josé – e para este em particular

    teresa – a pensar naquelas coisas que a gente sente mas cala

    cinda – nas coisas que a gente sente, e não cala

    ângela – nas coisas que são como são

    teresa – e era melhor que não fossem

    são josé – nas coisas que não são nem deixam de ser

    ângela – nas coisas que não são assim

    são josé – e era melhor que fossem

    teresa – nos pronomes pessoais

    cinda – no pretérito imperfeito

    são josé – no futuro perfeito

    ângela – nos casos duvidosos

    teresa – nos esclarecimentos

    cinda – no leão

    todas – da metro

    cinda – e

    ângela – é claro

    são josé – sem esquecer as suas mulheres

    teresa – e amantes

    cinda – e agora, estimado público

    são josé – como o autor é um grande chato

    ângela – faz-nos dizer uma quadra de sabor popular

    teresa – um versinho a cada uma:

    cinda – quatro fases tem a lua

    ângela – e outras tantas o amor

    são josé – quando for a tua vez

    teresa – prepara-te para o pior (piôr)

    ângela – chegados a este momento do espectáculo, senhoras e senhores,

    cinda – vamos apresentar a primeira artista da noite,

    teresa – para interpretar, numa bela inspiração sul-americana, a rumba da lua das caraíbas. – senhoras e senhores, directamente dos mares do sul, são josé lapa.

     

    rumba

     

    lua

    das caraíbas

    nos braços

    do meu amante

     

    nua

    uma promessa

    nos restos

    do teu espumante

     

    ah quem foi

    que me contou

    as noites mornas

    da paixão

     

    lua

    das caraíbas

    no rasto

    da tua mão

     

    nua

    uma promessa

    teus olhos

    nem sim nem não

     

    ah quem foi

    que me contou

    as horas mornas

    da ilusão

     

    ah quem foi

    que me contou

    as noites longas

    da paixão.

     

     

     

     

     

     

    cinda – era uma vez uma cortezã, uma dama,

    são josé – uma dama, com os seus calores, e lençóis de seda,e uma varanda inundada de luar

    cinda – quando há lua cheia, é claro

    são josé – com as horas consumidas pela virtude, pelo ócio

    cinda – a dama de companhia da dama dos calores, fazia tudo para minorar o sofrimento da sua senhora, que não podia dar um passo que fosse sem ser assaltada

    são josé – por homens, homens de todas as idades, homens de todas as classes sociais

    cinda – que, mesmo quando um inexplicável acaso dirigia os seus passos para uma rua deserta, apareciam como um enxame, enchendo a rua com o doce som dos seus meigos convites.

    são josé – e a dama manteve-se virtuosa, desprezando tais convites, reservando-se intacta para aquele que o seu coração elegesse

    cinda – o que ia ser depressa, porque quando no auge do sofrimento a dama

    são josé – ai...

    cinda – mandou chamar madame Fernanda, e ela deitou as cartas, vinha lá tudo, que eu vi muito bem.

    são josé – ai...

    cinda – não se preocupe, minha querida, que será breve o fim dos seus pesares: ele está aqui, por trás da dama que é uma pessoa que lhe quer bem e vai direito a si

    são josé – ai...

    cinda – porque é homem de boas intenções

    são josé – ai...

    cinda – que lhe vai dar muita felicidade.

    são josé – ai, deus queira.

    cinda – mas...

    são josé – mas?...

    cinda – este mas aqui, não fui eu que escrevi.

    são josé – então passa à frente.

    cinda – mas entre todos os homens do enxame

    são josé – ai...

    cinda – que perseguia os passos da dama, havia um

    são josé – ai...

    cinda – muito chato

    são josé – chato, irritante, impossível de aturar, vulgar, carraça, seca, adesivo...

    cinda – a quem a dama não pode deixar de atender.

    são josé – que queria ele?

    cinda – ora! queria o que é suposto querer um homem assim: a mão da dama.

    são josé – ah...

    cinda – encheu-a de presentes, jóias, essências, sais de banho, diamantes, escravos, tecidos bordados e, até, um ómega de titânio e ouro com vidro de safira anti reflexo dos dois lados.

    tó – porque, enfim, a gente faz as maiores loucuras quando está apaixonado...

    cinda – um dia ofereceu-lhe uma ilha deserta onde mandou construir um palácio de coral, que tinha ao lado uma ilha maior, cheia de aias e criados, tocadores de cítara e pescadores de pérolas,

    tó – e ela, a ingrata, alugou-a à nato.

    cinda – ele, no auge da paixão

    são josé – ingrata, não pa tri o ta, patriota. as divisas fazem muita falta ao nosso país, e não fica nada mal, antes pelo contrário, contribuir para a defesa da civilização ocidental. tenho dito.

    tó – olhava para ela e via uma criatura cândida e

    são josé – isso não. ai isso é que não... não fica bem insultar assim as pessoas.

    cinda – então chegou uma altura em que a dama já tinha recebido tantos presentes, que se viu forçada a receber o homem

    são josé- – que já queria muito mais do que a minha mão.

    cinda – e estava, como se pode ver pelo exemplo anexo, perdidamente apaixonado

    tó – a paixão de amor é um delírio, uma longa insónia, como se quisesse abraçar uma última vez, até à loucura, alguém que fosse morrer.

    cinda – a dama, que sabia de sobra o que são os homens e o que escondem atrás das belas palavras, não tendo mais razões (além daquelas que a .razão desconhece) para manter a sua recusa, decidiu sujeitá-lo a uma última e conclusiva prova de amor.

    são josé – pois que assim porfiásteis, ao ponto de abrandar os meus sentimentos

    tó – como sou feliz...

    são josé – decidi pedir de vós uma última prova de amor

    tó – todas

    são josé – a qual vos abrirá as portas do meu coração

    tó – do coração

    são josé – e de mais alguma coisa

    tó – mais alguma coisa

    são josé – sim, mas isso agora não vem ao caso.

    cinda – calai-vos, senhor!

    tó – apressai-vos senhora a pedir de mim aquilo que o vosso capricho ordenar pois, para o homem feliz, satisfazer os caprichos da amada é ainda prolongar o prazer do amor...

    cinda – pff tal está...

    são josé – nada mais desejo do que assegurar-me da vossa constância, porque temo não ter forças para sobreviver a um cruel desengano.

    tó – pudesse eu morrer para vos evitar o sofrimento.

    cinda – então a dama prometeu ao homem, tomando o céu como testemunha que se lhe entregaria de alma e coração

    são josé – e restantes partes essenciais

    cinda – no fim da centésima noite que ele passaria sentado debaixo da janela do seu quarto.

    são josé – sim: ao cabo de cem noites, não me restarão dúvidas sobre o vosso amor e, então

    tó – serás minha

    são josé – tua para sempre, podes começar esta noite.

    tó – sinto-me desfalecer.

    cinda – e lá foi ele buscar um banquinho e um cobertor, porque a noite estava fria e caía alguma humidade.

    tó – quando chegou a manhã, sentia-me cansado, mas ainda assim o homem mais feliz do planeta.

    cinda – na segunda noite, apareceu o guarda nocturno que ficou muito tempo à, esquina, sem saber o que pensar de tão absurdo encontro.

    são josé – espreitávamos por trás das cortinas, e o nosso riso foi tanto que quase adoeci.

    tó – eu suportava tudo, heroicamente, apenas alimentado pela minha determinação.

    são josé – os dias iam passando

    cinda – muitas vezes distraídas, reparávamos que já era noite porque o sentíamos chegar.

    são josé – um dia cedi à tentação de lhe dirigir a palavra e vi que os seus olhos brilhavam

    tó – pois desde que te sinto um instante, não consigo articular mais nenhuma palavra: mas a minha língua quebra-se e, sob a minha pele, desliza entretanto um fogo subtil: os meus olhos não têm olhar, as minhas orelhas zumbem, o suor corre-me pelo corpo, um calafrio apodera-se de mim; fico mais verde do que a erva e pouco falta para me sentir morrer.

    cinda – a dama começou a sentir amor pelo homem e, apesar dos meus insistentes rogos para que pusesse fim àquele suplício, continuava furtivamente a espreitá-lo durante a noite.

    são josé – é que eu estava atenta, e ele começou a chegar cada dia um pouco mais tarde.

    cinda – mas vinha, obediente como um mártir.

    são josé – mas vinha tarde e eu esperava. prescrutava a rua deserta, ansiando ouvir o som dos seus passos inseguros,imaginando vultos. a espera é um delírio.

    cinda – pois sim. diz-me dessas.

    são josé – porque tardas, meu amado, porque sofro a tua ausência?

    tó – a verdade é que já não suporto a troça do guarda nocturno, que me contou como foi que ela guardou a virtude.

    cinda – e então, quando chegou a nonagésima nona noite, ele não veio.

    são josé – ai de mim, como sou infeliz, desprezada por um ingrato.

    cinda – moral da estória:

    tó – tirem-na vocelências.

     

     

    fado

     

    lembras-te daquela rua. (Maria Teresa Noronha)

     

     

     

    e agora, respeitável público, mais um momento alto entre os momentos altos do nosso espectáculo: as quatro gémeas, um quadro que o nosso gracioso autor dedica a copi, em memória da proibição do famoso drama eva péron, há coisa de oito anos,

     

    as quatro gémeas (gagá, jejé, juju e jiji)

     

    gagá – ai manas, que tristeza...

    juju – ai manas, quanta dor...

    jejé – ai manas, como somos infelizes...

    jiji – ai manas...

    juju – ai manas...

    jejé – ai...

     

    (tempo)

     

    gagá – ai...

    jejé – hoje sonhei...

    juju – sonhaste, mana?

    jiji – que sonhaste tu?

    gagá – conta-nos o teu sonho, jejé...

    jiji – por favor, mana.

    juju – por favor...

     

    (tempo)

     

    jejé – ai manas, que tristeza (chora)

    juju – vejam como ela está a chorar (chora também)

    gágá – então, meninas (não sabe se há-de chorar)

    jiji – eu também quero chorar. conta o sonho, vá lá. diz-nos o que sonhaste tu...

     

    (jejé e juju limpam a cara e fungam; gagá compõe-se)

     

    jiji – (carinhosa) diz, mana, foi um sonho mau?

    gagá – se foi mau, não digas.

    juju – diz sim senhor! ai isso é que diz!

    gagá – já estamos todas tristes, não precisamos de ficar mais.

    jiji – eu ainda não estou muito triste. se não contas és má.

    jejé – eu conto, descansem. mas depois não se queixem.

    jiji – eu não me queixo.

    juju – eu também não.

    gagá – eu gosto de me queixar.

    jejé – então calem-se, porque assim eu não posso contar.

    juju – calem-se!

    jiji – cala-te tu!

    juju – não tens nada que me mandar calar.

    jejé – assim não conto

    juju – conta lá.

    jiji – estás a ver? era bem feita que ela já não quizesse contar!

    gagá – manas, vamos calar-nos todas ao mesmo tempo, para a jejé poder contar o sonho que teve, está bem?

    jejé – posso?

     

    (silêncio)

     

    gagá – podes.

    juju – shh!

    jejé – sonhei que íamos as quatro na rua, a passear.

    jiji – oh!

    jejé – também! sempre a interromper!

    gagá – pronto! continua: íamos as quatro na rua, e depois?

    jejé – e depois, andávamos a passear e a rua era dentro do jardim da estrela.

    jiji – que parvoíce de sonho! o jardim da estrela é o único sítio onde podemos ir...

    juju – cala-te! deixa ouvir!

    jiji – pensei que era um sonho mais bonito.

    jejé – então não conto mais nada.

    gagá – ela não...

    jejé – escusam de pedir porque eu não digo mais nada!

    juju – a gente não te interrompe mais.

    gagá – a-ca-bou. continua, jejé.

    jejé – já disse que não digo mais nada.

    juju – diz ... eu já estava a ver tudo.

    jejé – há aqui pessoas que não merecem que eu me incomode.

    jiji – isso é commigo, mana? eu que sempre te estimei, e que te ando a aparar os golpes todos...

    juju – jiji!

    gagá – mana!

    jejé – estão a ver? estão a ver? eu não dizia?

    jiji – coitada! coitadinha...

    gagá – jiji! isto não é maneira de falar com a tua irmã!

    juju – pela memória da nossa querida mãezinha que deus tenha no seu eterno descanso, manas, vocês estão a deixar-me nervosa. estou aqui e está-me a faltar o ar.

    jiji – ar é coisa que aqui não falta.

    jejé – eu vou-me embora. eu não fico aqui a assistir a este desaforo.

    juju – eu vou contigo, mana.

    gagá – vá, meninas, já passou. vamos acabar de ouvir o sonho da jejé.

    jejé – assim não consigo.

    gagá – então vamos conversar um bocadinho, e depois, daqui a um bocado, já estamos todas bem dispostas.

    jiji – quem é que começa?

     

    (tempo)

     

    juju – vocês sabem que no domingo passado a henriquetinha saiu à noite?

    jiji – e depois?

    juju – e depois veio muito tarde para casa. a graciete disse que ela saíu com um empregado do totta & açores que tinha posto um anúncio.

    gagá – em anúncio?!

    jejé – anúncio para quê?

    jiji – o que é que isso tem?

    juju – porque também há homens que vivem fechados em casa, sem conhecerem ninguém, como nós.

    jiji – não acredito.

    juju – é verdade, juro...

    gagá – talvez, eu também já ouvi dizer issm.

    jejé – mas pôr um anúncio, sem saber quem é que vai responder. pode ser um homem qualquer.

    jiji – melhor!

    juju – eu tinha medo!

    jejé – eu não era capaz de fazer uma coisa dessas.

    jiji – preferes chuchar no dedo, não é?

    gagá – que eu saiba, todas nós temos compostura suficiente para não fazer figuras ridículas como essas.

     

    (jiji chucha no dedo polegar)

     

    juju – que falta de decoro...

    jejé – estou incomodada. acho que tenho calor.

    jiji – então despe-te.

    gagá – jiji!

    jejjé – haa... não posso mais. às vezes penso que a nossa irmã está possuída.

    jiji – eu? possuída?

    juju – falas a sério?

    jiji – olha que gracinha!

    jejé – mas quando vamos à igreja e ela se benze, sei que não está. desculpa, mana, perdoa-me.

    gagá – é muito feio pensares isso da tua irmã.

    jiji – pois! ela atreve-se a pensar esses horrores, e e eu é que sou a má ao pé das santinhas. não te esqueças de te confessares como deve ser.

    jejé – estou com vontade de chorar. (chora)

    jiji – isso, chora... faz o mal e depois chora. (tempo) hipócrita!

    gagá – jiji!

    juju – jiji! és tão má! não sei como é que podes ser minha irmã.

    jiji – não sabes? perguntasses à mãe.

    gagá – cala-te, já nos estragaste o dia.

    juju – já nos estragaste o dia. estávamos tão felizes ainda há cinco minutos... (chora)

    jiji – e eu ralada. vocês são umas parvas.

    gágá – acho que já chega. estás a ofender-nos a todas.

    jejé – a culpa foi minha. não devia ter falado.

    juju – devias sim senhora.

    jiji – vou-me embora. estou farta de vos aturar.

    juju – vai! vai! já devias ter ido. não fazes aqui falta nenhuma.

    gagá – juju! agora és tu.

    juju – eu tenho razão, ouviste! (tempo) ela é má e eu tenho vontade de chorar e vou chorar e ninguém tem nada com isso.

    jiji – choramingas! (imita-a) eu tenho vontade de chorar e vou chorar e ninguém tem nada com isso. há-de vir-te a menopausa e tu ainda a pensar que os meninos vêm de paris.

    gagá – aí ...a minha cabeça...

    jejé – e têm vocês a lata de falar das outras. pelo menos as outras não se consomem assim.

    gagá – (abana-se) ai... que falta de ar.

    jiji – vou dar um passeio.

    gágá – já é tarde.

    jiji – já é tarde! e nós não somos maiores e vaciuadas?

    gágá – não são horas de saír.

    jejé – podia ser um passeio pequeno. eu ia de boa vontade.

    gagá – mas eu estou muito mal. não posso saír.

    jiji – então fica.

    gagá – e vocês, as minhas irmãs, eram capazes de saír e deixar-me assim?

    jejé – tens razão. é melhor ficarmos.

    juju – pois é. é melhor ficarmos.

    jiji – sempre a mesma coisa... a senhora dona gagá não sai e, por isso, as irmãs que são um rebanho também não saiem.

    juju – falou a ovelha ranhosa.

    jiji – eu bato-te.

    gagá – ai! o meu coração!

    jejé – pronto!

    juju – tudo por tua causa.

    jiji – estou farta, a gente não sai. a gente fica aqui porque ela tem medo de ter um ataque.

    juju – pois pode. sabes muito bem que pode.

    jiji – então que tenha os ataques todos que quiser. eu não me mexo daqui.

    gagá – ai!

    juju – já estava á espera. da tua boca só podia sair isso.

    jejé – nós somos irmãs. nós temos obrigação de nos acompanharmos em todas as situações.

    jiji – estou-me nas tintas. o que falta cá em casa é um homem.

    jejé – um homem?!

    gágá – ai...

    juju – um homem...

    jiji – um homem, sim, um homem.

    jejé – não estarás a ser um pouco leviana?

    gagá – que falta nos faz a nossa querida mãe...

    juju – mãezinha... (chora)

    jiji – a mim, o que me falta é um homem. se a vocês não faz falta, o problema é vosso.

    jejé – menos meu. quando quizer, não me faltam pretendentes.

    juju – eu também.

    jiji – deixem-me rir! vocês não sabem o que é um homem... eu, por mim, estou farta de mulheres. já não vos posso ver.

    gagá – não era isso que dizias ontem...

    jejé – estou a ficar deprimida.

    juju – deixem-na falar. ela sabe tanto de homens como nós. a mim dá-me vontade de rir.

    jiji – então porque não te ris, pode saber-se?

    gagá – são horas de ligar a rádio renascença para ouvirmos o terço.

    jiji – eu prefiro o quarto.

    jejé – são horas do terço. vamos recolher-nos.

     

    (tempo)

     

    gagá – ai manas, que tristeza...

    juju – ai manas, quanta dor...

    jejé – ai manas, como somos infelizes...

    jiji – ai manas

     

    (tempo)

     

    todas – ai.

     

     

    (fim)

     

    FICHA TÉCNICA (por atraso técnico na execução do PROGRAMA)

     

    TEXTOS E ADAPTAÇÃO DRAMATÚRGICA - Alberto Lopes

    FIGURINOS - AUGUSTUS

    INTERPRETAÇÃO - AS APAIXONADAS (Lucinda Loureiro, Angela Pinto, Teresa Roby e São José Lapa)

    MÚSICA - Rumba da 'Lua das Caraíbas' de Alberto Lopes

    SPOTS - Alberto Lopes e Janita Salomé

    CITAÇÃO DE 'A Cantiga é uma Arma' de José Mário Branco

    MÚSICOS - Carlos Martins (sax tenor); Edgar Caramelo (sax alto) André Sousa Machado (bateria e percussão); Alberto Lopes (baixo); Fernando Júdice (contra-baixo)

    VOZES - 'Lua das Caraíbas', interpretação de São José Lapa; coros ( Joana Bagulho, Madalena Wallenstein, Ana Lapa e São José Lapa); Janita Salomé; Locução de Carlos Cruz

    COREOGRAFIAS - Luís Carolino

    TÉCNICO DE SOM - Fernando Santos

    SONOPLASTIA - Alberto Lopes

    ILUMINAÇÃO - Paulo Graça

    FOTOGRAFIAS - Hernando Domingues

    PENTEADOS - Lúcia Piloto

    SAPATOS - Italus

    MAQUILHAGEM - Madame Campos

    FATOS DE BANHO - Anna Club

     

    COCKTAIL MACIEIRA

     

    ENCENAÇÃO - São José Lapa

    ASSISTÊNCIA DE ENCENAÇÃO - Lucinda Loureiro, Ângela Pinto e Teresa Roby

    E a participação especial de Mónica Lapa em TAPDANCE

     

    AGRADECEMOS ainda a colaboração BEM APAIXONADA da CASA da COVILHÃ, Maria José Abreu, Henrique Cayate, e ainda da BARRACA, Luís Alvarães, João Valente, Produções Independentes, Casa da Comédia, Trovante, ex-C.N.P., Teatro Nacional, Cristiano Barata, Fernanda Lapa, Maria Emília Rosa, Joaquim Cascais, Vera Castro, Cristina Castro, Grupo Máscara, Centro Bernardo Santareno, T.N.T., Necos e Bonecos e Empresa Ritz - Senhor Pereira.

     

  • Apaixão - Fimdestação

    partes em que o espectáculo se divide:

    1. a paixão nascente
    2. a paixão consumada
    3. a paixão consumida (a troca)
    4. o ciúme, os cacos & companhia

     

     

     

     

     

    as três gémeas, ou os benefícios da boa educação

    jejé, jiji e juju, honrando a memória das suas madres.

     

     

    juju – a jiji ontem foi horrorosa.

    jiji – horrorosa eu? porquê?

    juju – parecias uma mulher da aldeia

    jejé – eu não vi nada.

    juju – pois olha que estava bem à vista: se houvesse um concurso de dar nas vistas, tinha ganho concerteza.

    jiji – tu ainda fizeste pior: és uma dissimulada.

    jejé – afinal, o que é que aconteceu?

    jiji – nada que não seja normal.

    juju – chamas àquilo normal?!!

    jiji – claro que chamo.

    jejé – mas do que estão vocês a falar?

    jiji – de nada. a tua irmã é tola.

    juju – se tu não estivesses tão ocupada com o primo juvêncio, tu tinhas visto tudo.

    jiji – com o primo juvêncio, a jejé!!! deixa-me rir...

    jejé – olha olha... que é que ela julga?

    juju – ela julga que as outras são parvas.

    jiji – ai sim? sabes muito bem que à noite, antes da masturbação, deves orar de joelhos.

    juju – e tu sabes muito bem que não te deves masturbar no confessionário para aproveitar a absolvição.

    jiji – mas as minhas queridas irmãs estão muito saídas da casca... mas que bem...

    juju – pois é... mas tu brincas ao "mostra-me a pila que eu mostro-te a pássara" à frente de toda a gente. para quem acha que nós estamos saídas da casca, é alguma coisa, temos de convir.

    jejé – se a nossa querida gagá estivesse aqui connosco, queria ver se falavas assim. escandalizas-me, mana.

    jiji – ainda bem que te escandalizas, mana. porque molhar o dedo na pássara para voltar as páginas do missal, a mim não me parece nada bem.

    jejé – oh mana... eu? eu nunca fiz uma coisa dessas... agora tu, tu que... que...

    jiji – que o quê?

    jejé – que...

    juju – que não deixas o primo juvêncio em paz nem só um bocadinho, coitado, nem sei como é que ele aguenta.

    jiji – tens é inveja.

    juju – de ti?!

    jiji – sim, de mim e do primo juvêncio.

    jejé – eu sei que ele é primo, que é uma pessoa de família, mas a mim também não me parece lá muito bem que tu dês assim nas vistas.

    juju – a mim, o que me irrita é a mania que ela tem de que nós não damos por isso, de achar que ela é a única.

    jiji – se sou a única, não sei, nem me interessa. sei é que eu sou a melhor

    juju – olha as peneiras!

    jejé – que modéstia. pois fica sabendo que não é isso o que diz o primo juvêncio.

    jiji – vocês estão a armar-se porque têm dor de cotovelo. nem vos ligo. há coisas que vocês nunca hão-de perceber.

    juju – o quê, minha querida, o que é que nós nunca havemos de perceber?

    jejé – a mim só me parece mal essa falta de recato.

    jiji – já alguma vez vos passou pela cabeça que o primo só se deita convosco para vocês o deixarem em paz?

    juju – olha olha... é isso que ele me diz de ti. acha que tu és boa é na na ... na ...

    jiji – na quê, mana?

    juju – na... não digo.

    jiji – não me importo. o primo juvêncio está apaixonado por mim. e eu gosto de lhe satisfazer o mais pequeno desejo.

    juju – ingénua.

    jiji – invejosa. má. sabes muito bem que...

    jejé – vamos, manas, o primo juvêncio é o nosso primo que todas nós estimamos muito. porque é que estamos agora a discutir?

    juju – mas ele disse-me!

    jejé – não importa.

    juju – importa sim. ele está farto da jiji que passa a vida a chupá-lo, mesmo quando ele tinha vontade de mim e ela não deixa.

    jejé – não quero ouvir mais nada.

    juju – pois é. tu é que não gostas. foi isso o que disse o primo.

    jiji – que é que disse o primo?

    juju – não digo.

    jiji – que é que disse o primo?

    jejé – que é que disse o primo?

    juju – que vocês são boas é na...

    jejé – na quê?

    jiji – vá lá, diz!

     

    (tempo)

     

    juju – eu digo, mas não se queixem.

    jiji – aposto que é outra das tuas invenções.

    juju – ele disse, mas isso nem era preciso ele dizer, que vocês uma com a outra

    jejé – isso não!

    juju – foi ele que disse! que vocês se enrolaram as duas e o deixaram sozinho.

    jiji – ora... cala-te que nem percebes o que estás a dizer.

    jejé – não sei como é que tu és nossa irmã e achas tão... escandalizas-te porque ... porque nós nos ajudamos em todas as situações.

    jiji – qualquer coisa é melhor do que nada.

    juju – mas há coisas que nem se devem pensar, quanto mais dizer-se.

    jiji – estimo que te divirtas a chuchar no dedo. estou farta da conversa.

    jejé – pronto, não se zanguem.

    juju – é só o que sabes dizer. desiludes-me, desiludes-me, mana.

    jiji – é parva.

    jejé – pronto, manas, pronto. vamos chamar a menina odeta que é para não ficar nenhuma de nós a olhar. vai lá tu, juju, que a esta hora ela já veio do emprego.

     

     

     

     

    maria do céu – exmo. senhor,
    quisera possuir em grande escala o precioso dote da palavra; quisera ter o poder de desenvolver sublimes ideias e adorná-las convenientemente; quisera falar com eloquência nunca vista, para mostrar a v.exa bem nitidamente a incomparável felicidade que hei gozado desde que recebi a penhorante resposta de v.exa.
    agora que me deu a certeza de ser correspondida, sinto que o amo cada vez mais e como nunca julgara poder amar-se. que doce e consolador é encontrar-se um anjo que nos atenda, que nos compreenda e nos dedique o seu coração! tamanha é a felicidade , que me parece incrível que possa eu só frui-la sem ter quem dela partilhe comigo.
    amo-o muito. parece-me vê-lo a todos os instantes sorrindo-se para mim estendendo-me a delicada e nívea mão como querendo guiar-me no caminho da suprema ventura. adoro-o como se fosse um ídolo.
    de v.exa a mais dedicada admiradora
    maria do céu

    francesco  – no enamoramento, a pessoa mais simples e destituída é obrigada, para se exprimir, a usar a linguagem da poesia, da sacralidade e do mito.

    fernando – todas as cartas de amor são ridículas...

    francesco – dá vontade de rir, mas é verdade.

    fernando – bebezinho do nininho-ninho
    oh!
    venho só quevê pá dizê ó bebezinho que gotei muito da catinha dela. oh!
    e também tive munta pena de não ta ó pé do bebé pâ le dá jinhos. oh! o nininho é pequinininho!
    hoje o nininho não vae a belém porque, como não sabia s'havia carros, combinei tá aqui ás seis o'as. amanhã, a não sê qu'o nininho não possa é que sahe daqui pelas cinco e meia (isto é a meia das cinco e meia). amanhã o bebé espera pelo nininho, sim? em belém, sim? sim? jinhos, jinhos e mais jinhos.
    fernando.

    alberto – o amor feliz - de resto como o amor infeliz - é já a separação.

    johann – oh! que calor me percorre as veias quando por acaso os meus dedos tocam nos seus, quando os nossos pés se tocam debaixo da mesa! retiro-me todo em fogo, mas uma secreta força me atrai, vêm-me vertigens, todos os meus sentidos se turvam. quando a falar põe a mão na minha, quando na conversa se aproxima de mim, quando o seu hálito pode chegar aos meus lábios, julgo então que vou aniquilar-me, como ferido por um raio.

    roland – como desejo, a carta de amor aguarda resposta; impõe implicitamente ao outro uma resposta, sem a qual a sua imagem se altera.

    johann – ela é sagrada para mim, todo o desejo emudece na sua presença. não sei o que sou quando estou junto dela, é como se a minha alma se derramasse e corresse por todos os meus nervos.

    julieta – oh! romeu, romeu! renuncia ao teu nome e, em vez dele, apodera-te de mim!

    romeu – chama-me apenas teu amor e far-me-ei de novo baptizar. O meu nome, eu próprio o odeio, por ser para ti um inimigo.

    julieta – diz-me: como vieste tu até aqui, e para quê? este lugar será para ti a morte se algum dos meus parentes te descobre aqui.

    romeu – transpus estes muros com as leves asas do amor, porque não são as barreiras de pedra que o podem embaraçar. Por isso mesmo, não são os teus parentes que me servirão de obstáculo.

    julieta – se eles te vêem, matar-te-ão.

    romeu – há mais perigo nos teus olhos do que em vinte das suas espadas.

    julieta  – por nada deste mundo eu quereria que te vissem aqui. quem te ensinou este caminho?

    milton – foi, foi marinheiro, foi os peixinhos do mar...

    romeu – senhora, eu juro pela lua sagrada...

    julieta – não jures por coisa alguma. ou, se quiseres, jura pela tua graciosa pessoa que é o deus da minha idolatria, e eu acreditar-te-ei.

    romeu – oh! noite abençoada, bendita noite! tenho medo de que, por ser de noite, tudo isto seja um sonho...

    julieta – este amor em botão, amadurecido pela brisa do estio, talvez se transforme em flor esplêndida no nosso próximo encontro. oxalá que a paz e calma deliciosas que enchem o meu peito, possam também encher o teu coração ...

    romeu – oh! vais-me deixar assim, sem me concederes mais nada?

    julieta – que mais queres tu que te conceda esta noite?

    romeu – que troques pelo meu o juramento fiel do teu amor.

    julieta – dei-te o meu amor antes que o pedisses. adeus, meu querido amor.

     

     

     

     

     

     

    sketch (que inclui frases de autores famosos, num argumento do Autor)

     

    teresa – como é do conhecimento geral, os melhores soldados costumam ser os militares.

    cinda – porque os militares costumam ter mais vocação para soldados do que as outras pessoas.

    são josé – então, talvez não seja preciso fazer um grande esforço para concordar que só os actores devem fazer teatro.

    ângela – assim sendo, senhoras e senhores, empenhámo-nos no exaltante prazer de fazer este espectáculo. para vós

    todas – as actrizes

    teresa – curriculum & apresentação

    cinda – apresentação & curriculum

    são josé – apresiculum & currentação

    ângela – apresitação & currenculum

     

    (intervalo prás palmas)

     

    ângela – um espectáculo feito por actrizes

    cinda – para o estimado público em geral

    são josé – e para este em particular

    teresa – a pensar naquelas coisas que a gente sente mas cala

    cinda – nas coisas que a gente sente, e não cala

    ângela – nas coisas que são como são

    teresa – e era melhor que não fossem

    são josé – nas coisas que não são nem deixam de ser

    ângela – nas coisas que não são assim

    são josé – e era melhor que fossem

    teresa – nos pronomes pessoais

    cinda – no pretérito imperfeito

    são josé – no futuro perfeito

    ângela – nos casos duvidosos

    teresa – nos esclarecimentos

    cinda – no leão

    todas – da metro

    cinda – e

    ângela – é claro

    são josé – sem esquecer as suas mulheres

    teresa – e amantes

    cinda – e agora, estimado público

    são josé – como o autor é um grande chato

    ângela – faz-nos dizer uma quadra de sabor popular

    teresa – um versinho a cada uma:

    cinda – quatro fases tem a lua

    ângela – e outras tantas o amor

    são josé – quando for a tua vez

    teresa – prepara-te para o pior (piôr)

    ângela – chegados a este momento do espectáculo, senhoras e senhores,

    cinda – vamos apresentar a primeira artista da noite,

    teresa – para interpretar, numa bela inspiração sul-americana, a rumba da lua das caraíbas. – senhoras e senhores, directamente dos mares do sul, são josé lapa.

     

    rumba

     

    lua

    das caraíbas

    nos braços

    do meu amante

     

    nua

    uma promessa

    nos restos

    do teu espumante

     

    ah quem foi

    que me contou

    as noites mornas

    da paixão

     

    lua

    das caraíbas

    no rasto

    da tua mão

     

    nua

    uma promessa

    teus olhos

    nem sim nem não

     

    ah quem foi

    que me contou

    as horas mornas

    da ilusão

     

    ah quem foi

    que me contou

    as noites longas

    da paixão.

     

     

     

     

     

     

    cinda – era uma vez uma cortezã, uma dama,

    são josé – uma dama, com os seus calores, e lençóis de seda,e uma varanda inundada de luar

    cinda – quando há lua cheia, é claro

    são josé – com as horas consumidas pela virtude, pelo ócio

    cinda – a dama de companhia da dama dos calores, fazia tudo para minorar o sofrimento da sua senhora, que não podia dar um passo que fosse sem ser assaltada

    são josé – por homens, homens de todas as idades, homens de todas as classes sociais

    cinda – que, mesmo quando um inexplicável acaso dirigia os seus passos para uma rua deserta, apareciam como um enxame, enchendo a rua com o doce som dos seus meigos convites.

    são josé – e a dama manteve-se virtuosa, desprezando tais convites, reservando-se intacta para aquele que o seu coração elegesse

    cinda – o que ia ser depressa, porque quando no auge do sofrimento a dama

    são josé – ai...

    cinda – mandou chamar madame Fernanda, e ela deitou as cartas, vinha lá tudo, que eu vi muito bem.

    são josé – ai...

    cinda – não se preocupe, minha querida, que será breve o fim dos seus pesares: ele está aqui, por trás da dama que é uma pessoa que lhe quer bem e vai direito a si

    são josé – ai...

    cinda – porque é homem de boas intenções

    são josé – ai...

    cinda – que lhe vai dar muita felicidade.

    são josé – ai, deus queira.

    cinda – mas...

    são josé – mas?...

    cinda – este mas aqui, não fui eu que escrevi.

    são josé – então passa à frente.

    cinda – mas entre todos os homens do enxame

    são josé – ai...

    cinda – que perseguia os passos da dama, havia um

    são josé – ai...

    cinda – muito chato

    são josé – chato, irritante, impossível de aturar, vulgar, carraça, seca, adesivo...

    cinda – a quem a dama não pode deixar de atender.

    são josé – que queria ele?

    cinda – ora! queria o que é suposto querer um homem assim: a mão da dama.

    são josé – ah...

    cinda – encheu-a de presentes, jóias, essências, sais de banho, diamantes, escravos, tecidos bordados e, até, um ómega de titânio e ouro com vidro de safira anti reflexo dos dois lados.

    tó – porque, enfim, a gente faz as maiores loucuras quando está apaixonado...

    cinda – um dia ofereceu-lhe uma ilha deserta onde mandou construir um palácio de coral, que tinha ao lado uma ilha maior, cheia de aias e criados, tocadores de cítara e pescadores de pérolas,

    tó – e ela, a ingrata, alugou-a à nato.

    cinda – ele, no auge da paixão

    são josé – ingrata, não pa tri o ta, patriota. as divisas fazem muita falta ao nosso país, e não fica nada mal, antes pelo contrário, contribuir para a defesa da civilização ocidental. tenho dito.

    tó – olhava para ela e via uma criatura cândida e

    são josé – isso não. ai isso é que não... não fica bem insultar assim as pessoas.

    cinda – então chegou uma altura em que a dama já tinha recebido tantos presentes, que se viu forçada a receber o homem

    são josé- – que já queria muito mais do que a minha mão.

    cinda – e estava, como se pode ver pelo exemplo anexo, perdidamente apaixonado

    tó – a paixão de amor é um delírio, uma longa insónia, como se quisesse abraçar uma última vez, até à loucura, alguém que fosse morrer.

    cinda – a dama, que sabia de sobra o que são os homens e o que escondem atrás das belas palavras, não tendo mais razões (além daquelas que a .razão desconhece) para manter a sua recusa, decidiu sujeitá-lo a uma última e conclusiva prova de amor.

    são josé – pois que assim porfiásteis, ao ponto de abrandar os meus sentimentos

    tó – como sou feliz...

    são josé – decidi pedir de vós uma última prova de amor

    tó – todas

    são josé – a qual vos abrirá as portas do meu coração

    tó – do coração

    são josé – e de mais alguma coisa

    tó – mais alguma coisa

    são josé – sim, mas isso agora não vem ao caso.

    cinda – calai-vos, senhor!

    tó – apressai-vos senhora a pedir de mim aquilo que o vosso capricho ordenar pois, para o homem feliz, satisfazer os caprichos da amada é ainda prolongar o prazer do amor...

    cinda – pff tal está...

    são josé – nada mais desejo do que assegurar-me da vossa constância, porque temo não ter forças para sobreviver a um cruel desengano.

    tó – pudesse eu morrer para vos evitar o sofrimento.

    cinda – então a dama prometeu ao homem, tomando o céu como testemunha que se lhe entregaria de alma e coração

    são josé – e restantes partes essenciais

    cinda – no fim da centésima noite que ele passaria sentado debaixo da janela do seu quarto.

    são josé – sim: ao cabo de cem noites, não me restarão dúvidas sobre o vosso amor e, então

    tó – serás minha

    são josé – tua para sempre, podes começar esta noite.

    tó – sinto-me desfalecer.

    cinda – e lá foi ele buscar um banquinho e um cobertor, porque a noite estava fria e caía alguma humidade.

    tó – quando chegou a manhã, sentia-me cansado, mas ainda assim o homem mais feliz do planeta.

    cinda – na segunda noite, apareceu o guarda nocturno que ficou muito tempo à, esquina, sem saber o que pensar de tão absurdo encontro.

    são josé – espreitávamos por trás das cortinas, e o nosso riso foi tanto que quase adoeci.

    tó – eu suportava tudo, heroicamente, apenas alimentado pela minha determinação.

    são josé – os dias iam passando

    cinda – muitas vezes distraídas, reparávamos que já era noite porque o sentíamos chegar.

    são josé – um dia cedi à tentação de lhe dirigir a palavra e vi que os seus olhos brilhavam

    tó – pois desde que te sinto um instante, não consigo articular mais nenhuma palavra: mas a minha língua quebra-se e, sob a minha pele, desliza entretanto um fogo subtil: os meus olhos não têm olhar, as minhas orelhas zumbem, o suor corre-me pelo corpo, um calafrio apodera-se de mim; fico mais verde do que a erva e pouco falta para me sentir morrer.

    cinda – a dama começou a sentir amor pelo homem e, apesar dos meus insistentes rogos para que pusesse fim àquele suplício, continuava furtivamente a espreitá-lo durante a noite.

    são josé – é que eu estava atenta, e ele começou a chegar cada dia um pouco mais tarde.

    cinda – mas vinha, obediente como um mártir.

    são josé – mas vinha tarde e eu esperava. prescrutava a rua deserta, ansiando ouvir o som dos seus passos inseguros,imaginando vultos. a espera é um delírio.

    cinda – pois sim. diz-me dessas.

    são josé – porque tardas, meu amado, porque sofro a tua ausência?

    tó – a verdade é que já não suporto a troça do guarda nocturno, que me contou como foi que ela guardou a virtude.

    cinda – e então, quando chegou a nonagésima nona noite, ele não veio.

    são josé – ai de mim, como sou infeliz, desprezada por um ingrato.

    cinda – moral da estória:

    tó – tirem-na vocelências.

     

     

    fado

     

    lembras-te daquela rua. (Maria Teresa Noronha)

     

     

     

    e agora, respeitável público, mais um momento alto entre os momentos altos do nosso espectáculo: as quatro gémeas, um quadro que o nosso gracioso autor dedica a copi, em memória da proibição do famoso drama eva péron, há coisa de oito anos,

     

    as quatro gémeas (gagá, jejé, juju e jiji)

     

    gagá – ai manas, que tristeza...

    juju – ai manas, quanta dor...

    jejé – ai manas, como somos infelizes...

    jiji – ai manas...

    juju – ai manas...

    jejé – ai...

     

    (tempo)

     

    gagá – ai...

    jejé – hoje sonhei...

    juju – sonhaste, mana?

    jiji – que sonhaste tu?

    gagá – conta-nos o teu sonho, jejé...

    jiji – por favor, mana.

    juju – por favor...

     

    (tempo)

     

    jejé – ai manas, que tristeza (chora)

    juju – vejam como ela está a chorar (chora também)

    gágá – então, meninas (não sabe se há-de chorar)

    jiji – eu também quero chorar. conta o sonho, vá lá. diz-nos o que sonhaste tu...

     

    (jejé e juju limpam a cara e fungam; gagá compõe-se)

     

    jiji – (carinhosa) diz, mana, foi um sonho mau?

    gagá – se foi mau, não digas.

    juju – diz sim senhor! ai isso é que diz!

    gagá – já estamos todas tristes, não precisamos de ficar mais.

    jiji – eu ainda não estou muito triste. se não contas és má.

    jejé – eu conto, descansem. mas depois não se queixem.

    jiji – eu não me queixo.

    juju – eu também não.

    gagá – eu gosto de me queixar.

    jejé – então calem-se, porque assim eu não posso contar.

    juju – calem-se!

    jiji – cala-te tu!

    juju – não tens nada que me mandar calar.

    jejé – assim não conto

    juju – conta lá.

    jiji – estás a ver? era bem feita que ela já não quizesse contar!

    gagá – manas, vamos calar-nos todas ao mesmo tempo, para a jejé poder contar o sonho que teve, está bem?

    jejé – posso?

     

    (silêncio)

     

    gagá – podes.

    juju – shh!

    jejé – sonhei que íamos as quatro na rua, a passear.

    jiji – oh!

    jejé – também! sempre a interromper!

    gagá – pronto! continua: íamos as quatro na rua, e depois?

    jejé – e depois, andávamos a passear e a rua era dentro do jardim da estrela.

    jiji – que parvoíce de sonho! o jardim da estrela é o único sítio onde podemos ir...

    juju – cala-te! deixa ouvir!

    jiji – pensei que era um sonho mais bonito.

    jejé – então não conto mais nada.

    gagá – ela não...

    jejé – escusam de pedir porque eu não digo mais nada!

    juju – a gente não te interrompe mais.

    gagá – a-ca-bou. continua, jejé.

    jejé – já disse que não digo mais nada.

    juju – diz ... eu já estava a ver tudo.

    jejé – há aqui pessoas que não merecem que eu me incomode.

    jiji – isso é commigo, mana? eu que sempre te estimei, e que te ando a aparar os golpes todos...

    juju – jiji!

    gagá – mana!

    jejé – estão a ver? estão a ver? eu não dizia?

    jiji – coitada! coitadinha...

    gagá – jiji! isto não é maneira de falar com a tua irmã!

    juju – pela memória da nossa querida mãezinha que deus tenha no seu eterno descanso, manas, vocês estão a deixar-me nervosa. estou aqui e está-me a faltar o ar.

    jiji – ar é coisa que aqui não falta.

    jejé – eu vou-me embora. eu não fico aqui a assistir a este desaforo.

    juju – eu vou contigo, mana.

    gagá – vá, meninas, já passou. vamos acabar de ouvir o sonho da jejé.

    jejé – assim não consigo.

    gagá – então vamos conversar um bocadinho, e depois, daqui a um bocado, já estamos todas bem dispostas.

    jiji – quem é que começa?

     

    (tempo)

     

    juju – vocês sabem que no domingo passado a henriquetinha saiu à noite?

    jiji – e depois?

    juju – e depois veio muito tarde para casa. a graciete disse que ela saíu com um empregado do totta & açores que tinha posto um anúncio.

    gagá – em anúncio?!

    jejé – anúncio para quê?

    jiji – o que é que isso tem?

    juju – porque também há homens que vivem fechados em casa, sem conhecerem ninguém, como nós.

    jiji – não acredito.

    juju – é verdade, juro...

    gagá – talvez, eu também já ouvi dizer issm.

    jejé – mas pôr um anúncio, sem saber quem é que vai responder. pode ser um homem qualquer.

    jiji – melhor!

    juju – eu tinha medo!

    jejé – eu não era capaz de fazer uma coisa dessas.

    jiji – preferes chuchar no dedo, não é?

    gagá – que eu saiba, todas nós temos compostura suficiente para não fazer figuras ridículas como essas.

     

    (jiji chucha no dedo polegar)

     

    juju – que falta de decoro...

    jejé – estou incomodada. acho que tenho calor.

    jiji – então despe-te.

    gagá – jiji!

    jejjé – haa... não posso mais. às vezes penso que a nossa irmã está possuída.

    jiji – eu? possuída?

    juju – falas a sério?

    jiji – olha que gracinha!

    jejé – mas quando vamos à igreja e ela se benze, sei que não está. desculpa, mana, perdoa-me.

    gagá – é muito feio pensares isso da tua irmã.

    jiji – pois! ela atreve-se a pensar esses horrores, e e eu é que sou a má ao pé das santinhas. não te esqueças de te confessares como deve ser.

    jejé – estou com vontade de chorar. (chora)

    jiji – isso, chora... faz o mal e depois chora. (tempo) hipócrita!

    gagá – jiji!

    juju – jiji! és tão má! não sei como é que podes ser minha irmã.

    jiji – não sabes? perguntasses à mãe.

    gagá – cala-te, já nos estragaste o dia.

    juju – já nos estragaste o dia. estávamos tão felizes ainda há cinco minutos... (chora)

    jiji – e eu ralada. vocês são umas parvas.

    gágá – acho que já chega. estás a ofender-nos a todas.

    jejé – a culpa foi minha. não devia ter falado.

    juju – devias sim senhora.

    jiji – vou-me embora. estou farta de vos aturar.

    juju – vai! vai! já devias ter ido. não fazes aqui falta nenhuma.

    gagá – juju! agora és tu.

    juju – eu tenho razão, ouviste! (tempo) ela é má e eu tenho vontade de chorar e vou chorar e ninguém tem nada com isso.

    jiji – choramingas! (imita-a) eu tenho vontade de chorar e vou chorar e ninguém tem nada com isso. há-de vir-te a menopausa e tu ainda a pensar que os meninos vêm de paris.

    gagá – aí ...a minha cabeça...

    jejé – e têm vocês a lata de falar das outras. pelo menos as outras não se consomem assim.

    gagá – (abana-se) ai... que falta de ar.

    jiji – vou dar um passeio.

    gágá – já é tarde.

    jiji – já é tarde! e nós não somos maiores e vaciuadas?

    gágá – não são horas de saír.

    jejé – podia ser um passeio pequeno. eu ia de boa vontade.

    gagá – mas eu estou muito mal. não posso saír.

    jiji – então fica.

    gagá – e vocês, as minhas irmãs, eram capazes de saír e deixar-me assim?

    jejé – tens razão. é melhor ficarmos.

    juju – pois é. é melhor ficarmos.

    jiji – sempre a mesma coisa... a senhora dona gagá não sai e, por isso, as irmãs que são um rebanho também não saiem.

    juju – falou a ovelha ranhosa.

    jiji – eu bato-te.

    gagá – ai! o meu coração!

    jejé – pronto!

    juju – tudo por tua causa.

    jiji – estou farta, a gente não sai. a gente fica aqui porque ela tem medo de ter um ataque.

    juju – pois pode. sabes muito bem que pode.

    jiji – então que tenha os ataques todos que quiser. eu não me mexo daqui.

    gagá – ai!

    juju – já estava á espera. da tua boca só podia sair isso.

    jejé – nós somos irmãs. nós temos obrigação de nos acompanharmos em todas as situações.

    jiji – estou-me nas tintas. o que falta cá em casa é um homem.

    jejé – um homem?!

    gágá – ai...

    juju – um homem...

    jiji – um homem, sim, um homem.

    jejé – não estarás a ser um pouco leviana?

    gagá – que falta nos faz a nossa querida mãe...

    juju – mãezinha... (chora)

    jiji – a mim, o que me falta é um homem. se a vocês não faz falta, o problema é vosso.

    jejé – menos meu. quando quizer, não me faltam pretendentes.

    juju – eu também.

    jiji – deixem-me rir! vocês não sabem o que é um homem... eu, por mim, estou farta de mulheres. já não vos posso ver.

    gagá – não era isso que dizias ontem...

    jejé – estou a ficar deprimida.

    juju – deixem-na falar. ela sabe tanto de homens como nós. a mim dá-me vontade de rir.

    jiji – então porque não te ris, pode saber-se?

    gagá – são horas de ligar a rádio renascença para ouvirmos o terço.

    jiji – eu prefiro o quarto.

    jejé – são horas do terço. vamos recolher-nos.

     

    (tempo)

     

    gagá – ai manas, que tristeza...

    juju – ai manas, quanta dor...

    jejé – ai manas, como somos infelizes...

    jiji – ai manas

     

    (tempo)

     

    todas – ai.

     

     

    (fim)

     

    FICHA TÉCNICA (por atraso técnico na execução do PROGRAMA)

     

    TEXTOS E ADAPTAÇÃO DRAMATÚRGICA - Alberto Lopes

    FIGURINOS - AUGUSTUS

    INTERPRETAÇÃO - AS APAIXONADAS (Lucinda Loureiro, Angela Pinto, Teresa Roby e São José Lapa)

    MÚSICA - Rumba da 'Lua das Caraíbas' de Alberto Lopes

    SPOTS - Alberto Lopes e Janita Salomé

    CITAÇÃO DE 'A Cantiga é uma Arma' de José Mário Branco

    MÚSICOS - Carlos Martins (sax tenor); Edgar Caramelo (sax alto) André Sousa Machado (bateria e percussão); Alberto Lopes (baixo); Fernando Júdice (contra-baixo)

    VOZES - 'Lua das Caraíbas', interpretação de São José Lapa; coros ( Joana Bagulho, Madalena Wallenstein, Ana Lapa e São José Lapa); Janita Salomé; Locução de Carlos Cruz

    COREOGRAFIAS - Luís Carolino

    TÉCNICO DE SOM - Fernando Santos

    SONOPLASTIA - Alberto Lopes

    ILUMINAÇÃO - Paulo Graça

    FOTOGRAFIAS - Hernando Domingues

    PENTEADOS - Lúcia Piloto

    SAPATOS - Italus

    MAQUILHAGEM - Madame Campos

    FATOS DE BANHO - Anna Club

     

    COCKTAIL MACIEIRA

     

    ENCENAÇÃO - São José Lapa

    ASSISTÊNCIA DE ENCENAÇÃO - Lucinda Loureiro, Ângela Pinto e Teresa Roby

    E a participação especial de Mónica Lapa em TAPDANCE

     

    AGRADECEMOS ainda a colaboração BEM APAIXONADA da CASA da COVILHÃ, Maria José Abreu, Henrique Cayate, e ainda da BARRACA, Luís Alvarães, João Valente, Produções Independentes, Casa da Comédia, Trovante, ex-C.N.P., Teatro Nacional, Cristiano Barata, Fernanda Lapa, Maria Emília Rosa, Joaquim Cascais, Vera Castro, Cristina Castro, Grupo Máscara, Centro Bernardo Santareno, T.N.T., Necos e Bonecos e Empresa Ritz - Senhor Pereira.